quinta-feira, 18 de junho de 2015

Trooplayer:The Banner Saga


    The Banner Saga é uma experiência marcante, muito mais do que um jogo. A desenvolvedora independente Stoic Studio conseguiu financiar o jogo através do Kickstarter atingindo a surpreendente soma de $723,886 com 20.042 apoiadores, o que superou a modesta expectativa inicial de $100,000. Os fundadores da Stoic eram ex-funcionários da Bioware, e já haviam trabalho em projetos grandes como Star Wars: Knights of the Old Republic, experiência essa que não só foi muito útil como também influenciou o jogo.


    The Banner Saga lhe oferece a oportunidade de experimentar um mundo inspirado na mitologia nórdica, onde você seu principal desafio será fugir da ameaça dos Dredge, enquanto tenta alimentar e manter a moral elevada das pessoas que escolheram seguir o seu banner. O mundo é riquíssimo em lore e as histórias dos personagens são envolventes e complexas. E definitivamente é nas escolhas que reside o componente fundamental do jogo. Suas escolhas tem repercussões, imediatas ou tardias, e em alguns casos o resultados serão cruéis e surpreendentes, capazes de surpreender tanto quanto uma revelação de Game of Thrones.




    A história se divide na maior parte do jogo entre dois pontos de vista: você começa o jogo seguindo Hakon um guerreiro Varl (uma raça de gigantes, orgulhosos, reclusos e poderosos) que se torna líder de uma expedição "diplomática" em circunstâncias inusitadas. 

Hakon

    Você também jogará, na maior parte do tempo, com Rook e sua filha Alette, fugindo do vilarejo de Skogr que sucumbiu ao repentino ataque de centenas de Dredge. No papel de Rook você terá que tomar algumas das mais difíceis decisões da jornada. Terá que lidar com a falta de recursos, de suprimentos, com os ânimos dos refugiados que te seguem além de batalhar contra oportunistas, ladrões e os implacáveis Dredge.

Alette

    Uma das primeiras coisas que chama atenção é a estética do jogo. Os cenários são impecáveis, declaradamente inspirados na arte de Eyvind Earle, famoso ilustrador da Disney que trabalho em clássicos como Peter Pan e Bela Adormecida.


    Outro ponto forte do jogo, também no quesito artístico, é a trilha sonora do compositor premiado Austin Wintory, que gravou 29 faixas orquestradas e cantadas em islandês (a língua que atualmente é a mais próxima daquela falada pelos vikings). As faixas variam entre marchas épicas, dignas de grandes batalhas campais do cinema, e baladas melancólicas e emocionantes. O OST completo pode ser conferido abaixo:


    Contudo, é no sistema de combate que reside a principal inovação do jogo. O combate por turnos é a primeira vista muito simples. Antes de cada batalha você pode organizar seus personagens de acordo com sua estratégia, escolhendo a sequência de ordens dos turnos. Contudo, os atributos de cada personagem adicionam contornos muito mais profundos a mecânica do combate. Seu personagens possuem três atributos principais: Strength, que é o equivalente ao seu HP e ao mesmo tempo a sua capacidade de infligir dano, assim um personagem que apanhou muito não é capaz de causar dano da mesma forma que um personagem que possui mais Strength; Armor é o atributo que define sua defesa, de modo que o dano é sempre calculado da seguinte maneira: Strength - Armor = Dano causado, de modo que se a Strength for inferior a Armor isso se reflete em uma redução da porcentagem de chance de causar dano. Do contrario, toda vez que a Strength for superior a Armor, a porcentagem de chance é de 100%. O terceiro atributo é Willpower, que é o grande diferencial, fazendo as vezes de Mana, pois ativa as habilidades especiais dos seus personagens, mas também oferece bônus em ataques ou permite que seu personagem ande mais alguns "quadrados". A Willpower é afetada por fatores externos ao combate, pela sua moral. Assim, se sua moral estiver alta todos seus personagem começam com alguns pontos a mais, ao passo que com a moral baixa começam o combate com penalidade.

Rook

    Os outros atributos são Break (sua capacidade de causar dano à Armor) e Exertion (a quantidade de pontos de Willpower que você poder usar em cada ação para obter bônus maiores). Todas essas características se misturam muito bem e fazem muito sentido com a história do jogo, tornando os combates sempre muito desafiadores.


    A história é o principal atrativo do jogo. Bem escrita, com personagens marcantes e reviravoltas precisas e cruéis, você viverá os dramas de um mundo que vive o seu crepúsculo, entre guerra e fome, lutando para sobreviver e para deter forças misteriosas que surgem ao longo de sua jornada. Os combates não são cansativos e nem repetitivos, são muito bem incluídos no enredo. Não há encontros aleatórios, nem a chance de ter personagens super evoluídos que dão conta de tudo com uma mão atrás das costas. Um movimento errado, uma ação mal calculada e você coloca em risco uma batalha.
    O jogo certamente me cativou. Reavivou uma memória dos tempos de Final Fantasy Tactics e tudo o que ele representou. O jogo faz parte de uma trilogia, sua continuação está prevista para o fim deste ano. Nela você poderá continuar o jogo a partir do save deste primeiro capítulo. Erga seu banner, levante acampamento e se prepare para viajar.


    O trailer abaixo mostra como é o in-game:


    Este é o trailer do próximo episódio a saga, como foi anunciado agora na E3 (com spoilers do primeiro capítulo):



                                                                                                                                               Hugo André

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Trooplayer: FTL


    FTL poderia muito bem ser uma sigla para Ficção, Teletransporte e Lasers, aliás todos esses elementos estão no jogo, mas é simplesmente a abreviação de Faster Than Light. Quem assistiu Battlestar Galactica pode reconhecer esse termo de cara, e aqui ele é não apenas empregado como uma pequena referência/homenagem, mas é um elemento contínuo que tem que ser usado a todo o tempo.
     O que nos traz a premissa do jogo: Você faz parte da frota da Federação que está em guerra com os Rebeldes. Você tem que chegar a base principal da federação e avisá-los do ataque eminente dos Rebeldes, que contam com uma poderosa arma secreta. 


    A premissa é bem simples, afinal o que interessa aqui é ir do ponto A ao B (ou melhor do Setor 1 ao 8) e lutar com o chefão (ou Rebel Flagship). A simplicidade aparente não pode ser mais enganosa. O jogo é difícil com os bons e velhos jogos old-school. Você tem que gerenciar a tripulação da sua nave, que é composta de várias raças alienígenas como especificidades, vantagens e desvantagens próprias, eles são parte fundamental entre o sucesso e o fracasso. 
    Além dos tripulantes você terá que gerenciar os recursos fundamentais a sua jornada: Combustível, Misseis e Componentes de Drones. Esses três recursos são pilares essenciais das partidas e o descuido com algum deles pode significar a derrota.
    Por fim, mas não menos importante, temos o gerenciamento dos sistemas da nave. Aqui a lista se complexifica e não fica nada atrás dos cânones das space-operas. Você terá que equilibrar a distribuição de energia do reator da nave entre os sistemas de Motor FTL, Oxigênio, Armas, Drones, Teletransporte, o bom e velho Campo de Força (Shield), entre outros como Camuflagem, Hackeamento e até um sistema de Clonagem (eu ouvi Battlestar Galactica?).


    Como os bons jogos dessa safra indie o gameplay de FTL apresenta uma variação do estilo rogue-like, ou seja, todos os cenários são gerados aleatoriamente a cada partida. A cada Jump uma nova surpresa. Os eventos que você encontra ao longo de sua jornada também são aleatórios, que pode incluir situações como: uma nave aliada da Federação que ficou sem combustível e que pede ajuda para você; uma estranha capsula que você encontrou vagando no espaço e tem que decidir se abrir ou deixá-la como está; ajudar uma nave que está sendo atacada por aranhas alienígenas gigantes; transportar uma carga para uma nave mercante em troca de uma remuneração generosa; ajudar um piloto que ficou mentalmente instável após a queda de sua nave em um planeta ermo. Estas são apenas algumas das várias situações que você pode (e vai) encontrar ao longo de sua jornada. Em todas elas você escolhe o que fazer. O seu leque de escolhas vai variar de acordo com os upgrades feitos em sua nave ou com as raças de alienígenas que compõe a sua nave. 



    O jogo de recompensa e te pune na mesma medida. Atenção e paciência são as chaves para o sucesso. Ao longo das partidas quase desenvolvi T.O.C. de tanto verificar o status da minha tripulação e dos sistemas antes de fazer o Jump. Essa obsessão vem do simples fato que você pode morrer por uma bobagem. Um membro com o HP incompleto ou o sistema de oxigênio danificado se tornaram problemas sérios se você "pular" para um plano do lado de um pequeno sol que fica emitindo ondas de flare ou se você for abordado por piratas que entram na sua nave para atacar sua tripulação.



    Há duas semanas comprei o jogo na Steam, em uma dessas promoções de menos de 5 reais. De lá pra cá foram 54 horas de jogo até conseguir zerar..... no EASY! No Easy o jogo é realmente desafiador, você vai morrer diversas vezes e cometer erros ridículos até descobrir a estratégia que você tem que desenvolver pra sua nave conseguir chegar e talvez derrotar a Rebel Flagship. E ainda assim, você não conseguirá parar de jogar até vencer, e quando você finalmente consegue é recompensador, você se sente como o Capitão Kirk ou Comandante Adama.



    Os gráficos e a trilha sonora são simples, mas em sua simplicidade são bem feitos, na medida para o jogo. Mas a trilha sonora se destaca, e depois de 54 horas consigo tocar mentalmente todas as músicas na cabeça.
  Se você gosta de qualquer uma das referências apresentadas, ou se você gosta de jogos que te desafiem esse é o jogo certo. Você terá horas de diversão, morrendo e falhando miseravelmente na maior parte do tempo, mas também fazendo pequenas quests para abrir novas naves e layouts diferentes de cada uma delas.


Site oficial do jogo: http://www.ftlgame.com/ 


O trailer oficial do jogo:





                                                                                                                                               Hugo André

sábado, 21 de dezembro de 2013

Resenha: O Espadachim de Carvão

Formato: Brochura,23 x 16 cm. Ano de publicação: 2013, 255 pags. Preço médio: 29,90.


Há muito queria fazer essa resenha. Sou um ouvinte assíduo do MRG (não chego ao ponto de almejar o F5, mas bato o cartão no site sempre esperando por um novo podcast). Confesso que apenas li o livro por me identificar com o autor, compartilho de algumas opiniões e gostos (principalmente musicais) com Affonso Solano. Comprei o livro em Agosto, e só pude ler aos poucos (e muito angustiado) durante o mês de Setembro. Eis que em Dezembro, enfim tenho tempo para falar desse livro que não saiu da minha cabeça desde que terminei de lê-lo.



Affonso Solano nos apresenta a história de Adapak, o “filho” do deus  Enki’När, um dos quatro de Kurgala. Adapak é um personagem inocente, que viveu a maior parte de sua vida em uma ilha, e portanto, tudo o que ele sabe sobre o mundo foi aprendido através dos livros, principalmente pelas histórias fantásticas dos irmão Tamtul e Magano.



Solano nos conduz por Kurgala com sua narrativa envolvente, dinamizando a história de Adapak com a alternância de capítulos que se passam no presente e capítulos em “flashback”, concedendo a sua história um ritmo cativante e “estrogonófico”. Solano é muito bem sucedido em dar vida à Kurgala, as descrições dos povos e das culturas indicam uma complexidade que foi fruto mais de uma década de planejamento. 



A história de Kurgala irá te perseguir pelas páginas do livro, se insinuando aos poucos e criando uma atmosfera própria dos grande épicos fantásticos. Kurgala ainda não é rica como Essos ou Arda, afinal esse é só o primeiro livro de uma série, mas o mundo de Adapak tem todo o potencial e todos os elementos para se tornar um mundo tão singular quanto os outros grandes mundos da fantasia. 


A história de Adapak difere da maioria das fantasias, pelo menos das que eu li, por apresentar questionamentos muito humanos sobre situações plausíveis. Em sua inocência de Adapak questiona o que leva uma pessoa a beber? O que leva alguém a se prostituir ou a usar a raiz de mochi? A transformação dos personagens é outro ponto forte, afinal as todas as ações tem consequências. 


Durante a leitura me lembrei de uma frase que li em um texto em alguma disciplina ano passado: "a inocência na política, como em qualquer outro campo da vida, cobra um preço alto" e a inocência de Adapak cobra preços muitos altos. No fundo acredito que a narrativa apresentada por Affonso Solano nada mais é do que uma história sobre a descoberta, sobre o confronto da inocência com a realidade. 



Pelos olhos de Adapak vamos conhecendo raças, culturas e lugares fantásticos. Tudo isso através de uma narrativa leve que convida o leitor a abusar da imaginação para visualizar a magia dos Dingirï e a destreza do espadachim manejando Igi e Sumi pela técnica dos círculos de Tibaul. Concluo recomendando esse livro a quem está procurando por algo novo. O espadachim de carvão revela a habilidade Afonso Solano, que para um escritor inciante (e não há nada de errado nisso) se saiu muito bem, entregando uma história de "espada e magia" 2.0, como muitos tem definido. 

Sigo ansioso pelo próximo tomo que me transporte ao "Universolano", digo, Kurgala.

Para mais informações sobre a obra veja o site oficial:

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Trooplayer: Papers, Please.



   A simplicidade dos gráficos de Papers, Please oculta, a primeira vista, a grandeza deste Indie Game. É necessário dizer que ele descende do mais puro conceito de indie: seu visual é todo em 16-bits, a jogabilidade simples e fluida, e talvez o dado mais curioso, o jogo todo foi feito por apenas uma pessoa.
   A sinopse do jogo pode facilmente enganar um incauto, dando a impressão de que o jogo é pura chatisse. Vamos a ela: Papers, Please se passa num passado distópico de um país aos levemente inspirado (ou não) nos estados da extinta União Soviética: Arstotzka. Você encarna o papel de um "cidadão" que foi sorteado pelo governo para trabalhar como inspetor de imigração em ponto na fronteira de Kolechia, país vizinho com o qual Arstotzka travou guerra por seis anos. Com os tempos de paz e a abertura das fronteiras o fluxo de pessoas cresce a cada dia, seu trabalho é inspecionar a documentação e garantir que só entrem as pessoas que estejam com toda a documentação certa. Com essa descrição o jogo pode parecer algo completamente enfadonho e burocrático: carimbadas e mais carimbadas nos passaportes, certo?



   Errado. A riqueza do jogo reside no seu storytelling e principalmente na dificuldade das escolhas. A primeira coisa que Papers, Please vai te ensinar é que escolhas são difíceis e elas tem consequências, as vezes imediatas. O jogo alterna entre duas telas, o seu trabalho no escritório de imigração e o gerenciamento do seu salário com o sustento de sua família (um dos pontos altos do jogo). Afinal, seu salário será gasto com o aluguel, comida, aquecimento. Mas também poderá ser gasto com remédios (caso algum membro adoeça porque você não conseguiu pagar a conta do aquecimento, e o inverno é rigoroso em Arstotzka), presente de aniversário para o seu filho, mudar para um apartamento melhor, ou mesmo investir no equipamento do seu escritório para tornar seu serviço mais eficiente e assim ganhar mais dinheiro.


   O jogo possuí 20 finais possíveis, que dependem inteiramente de suas escolhas. Alguns dos finais são simples consequências de seus deslizes no jogo (muito comuns nas primeiras partidas), como deixar alguém da sua família morrer ou ir para a prisão por dever ao governo. Outros finais podem levar a sua prisão por envolvimento com grupos "suspeitos", fuga com documentos forjados para o país vizinho, ou morte ao cortar o fio errado tentando desarmar uma bomba.


   Um ponto fortíssimo do jogo reside na sua dinâmica, que muda a todo tempo. Quando você está se acostumando com as regras, o governo muda e determina que você cheque uma série de outras coisas nos imigrantes como: peso (afinal pode haver contrabando de armas e drogas), altura, sexo, nacionalidade, visto de trabalho, visto diplomático, etc. A série de "ferramentas" a sua disposição também muda ao longo do jogo, apenas mais perto do final você terá a sua disposição as hotkeys  para agilizar o seu serviço. Ao longo do jogo você terá acesso a armas com dardos tranquilizantes, armas letais e scanners.


   Papers, Please, me conquistou depois que assisti alguns gameplays para decidir se comprava ou não o jogo na Steam. Escolhas aparentemente simples podem decidir o destino de mulheres que são traficadas e exploradas, de assassinos, de contrabandistas, de refugiados políticos ou de pessoas simples que não conseguiram toda a documentação  para a imigração mas estão tentando recomeçar a vida em outro país.


   Durante todas as partidas a imersão funcionou muito bem pra mim, eu realmente me preocupava com as pessoas no trabalho e com a minha família, o que me levava a escolhas difíceis como recusar uma mulher que não tinha toda a documentação para cruzar e encontrar com seu marido, simplesmente por que se eu a deixasse passar teria mais dinheiro descontado do meu salário (porque eu já tinha vacilado muito naquele dia) e poderia acabar devendo o governo e ir preso. Ou como quando uma imigrante me passou um bilhete avisando que estava sendo forçada a trabalhar em uma boate de strippers e temia por sua vida, mas indicou o nome do homem que a explorava pedindo que eu o impedisse de entrar no país, e eu falhei miseravelmente porque novamente havia vacilado muito e já tinham descontado bastante do meu salário. Aprovei o meliante e no dia seguinte na primeira página do jornal li a notícia de que várias mulheres foram encontradas mortas em uma boate.


   O jogo vai fazer você tomar uma posição: ou você age como corrupto, aceitando suborno e prendendo pessoas sem nenhum motivo (um dos guardas propõe uma divisão dos lucros, já que ele recebe por cada pessoa presa assim como você recebe por cada pessoa analisada); ou você  pode tentar agir seguindo os protocolos, sendo um funcionário exemplar de Arstotzka mas que vai ignorar as suplicas de pobres e perseguidos. Você ainda pode ajudar um grupo que pretende fazer uma revolução, ou pode ajudar a prender esse grupo. Enfim, Papers Please pode proporcionar boas horas de diversão, com histórias novas a cada partida, onde os destinos das pessoas passaram pela ponta dos seus carimbos.



A versão Beta do jogo pode ser baixada no site oficial: http://dukope.com/#ppl

O trailer oficial do jogo:


Hugo André

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Troopeiro recomenda: Punk Rock Jesus


       


Sou leitor assíduo da Vertigo Panini (e órfão da Pixel Magazine), acompanho o mix da revista principalmente pelas histórias do sacana mais bacana do universo Vertigo DC. Além de Hellblazer outros títulos me surpreenderam, ao longo destes quase quatro anos em que acompanho a revista: Escalpo, Vikings e Vampiro Americano. Quem é leitor sabe que as mini-séries que entram e saem de vez em quando são ótimas (“Spaceman”, “A Tessalíada”) e de vez em quando erram feio (“Lugar Nenhum”, “Joe, o Bárbaro”, “Casa dos Mistérios” que não é mini-série mas é um porcaria).


Minha reação ao saber que Hellblazer
faz parte do universo regular da DC.



Enfim, na edição 45 chegamos ao desfecho da mini-série em seis edições: Punk Rock Jesus. Sean Murphy (desenhista em: "Joe, o Bárbaro", "Hellblazer", "Vampiro Americano: Seleção Natural") se encarrega do roteiro e dos desenhos (com seus traços inconfundíveis), nos apresenta uma história sobre um futuro não muito distante, onde uma grande corporação decidiu fazer um reality show sobre um “clone” da pessoa mais famosa da história. O reality show intitulado de J2 segue o protocolo desse tipo de show e faz uma seletiva para a candidata (virgem) à mãe do “clone”. Enquanto acompanhamos a história entorno da “clonagem” realizada a partir do Santo Sudário, vemos flashbacks da vida de Thomas McKael, um irlandês badass, ex-integrante do IRA e chefe da segurança de J2.

Punk Rock Jesus # 1


As seis edições vão passando por momentos da vida de Cris, desde que sua mãe recebe as células clonadas, passando pelo seu nascimento, infância e uma adolescência punk. Para não me estender muito, e não estragar as surpresas da história, imagine o impacto que a noticia da “clonagem” de Jesus Cristo poderia causar no mundo, principalmente nos EUA, um país com tradição de fanatismo religiosa e com um alto índice de civis armados. Com esses elementos Sean Murphy constrói uma excelente história que critica entre outras coisas o fanatismo religioso, a manipulação da mídia e a transformação dos indivíduos. Cris, o “clone” de J2, é um garoto normal que teve sua vida inteira filmada para um reality show (um abraço para “O Show de Truman”). Quais são os impactos disso na vida deste garoto? Como ele se sente sabendo que é um "clone"? Como ele lida com as adversidades ao londo de sua vida? Todas essas questões são muito bem trabalhadas por Murphy, que se esmera os traços no visual de seus personagens e nos  grandes planos de ação.

Punk Rock Jesus # 6




            Punk Rock Jesus é uma leitura recomendada para quem gosta daquela pegada crítica da Vertigo (como em “DMZ” e “Escalpo”) e para quem aprecia a capacidade de imaginação por trás de uma boa história. Não duvido que se tal bizarrice viesse a ocorrer vários grupos de fanáticos religiosos pipocariam clamando para si o direito de tutela ou de extermínio do "novo messias". 

Hugo André

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Resenha: A Cor que caiu do espaço



Formato: Brochura, 11,5 x 17,5 cm. Ano de Publicação: 2011, p. 104. Preço: 20,00



O nome de H.P. Lovecraft está escrito em pedra no panteão da literatura de horror e ficção científica. Seu nome é um sinônimo para histórias de horror pessoal e psicológico, de narrativas densas sobre a descoberta de entidades cósmicas que dominam o universo. Lovecraft é um exemplo de literatura de qualidade. Para não me alongar nos elogios à um dos meus autores favoritos passo a resenha de um de seus excelentes contos.
O próprio autor atesta a qualidade deste conto ao elencá-lo como um de seus preferidos: “de toda a minha produção os meus [contos] favoritos são ‘A cor que caiu do espaço’ e ‘A música de Erich Zann’, nesta ordem” ¹.


Howard Philips Lovecraft (1890-1937)
Criador dos Mythos de Cthulhu e pai do Horror Moderno



Publicada originalmente em 1927 na Amazing Stories (The Colour Out of Space), uma das primeiras revistas norte americanas dedicada a ficção científica. A história entorno da publicação do conto nos indica um retrato do cenário editorial dos anos vinte nos Estados Unidos, afinal Lovecraft recebeu míseros 25 dólares pelo conto.


Amazing Stories, Setembro de 1927.



A história é situada na zonal rural da cidade fictícia de Arkham (que também possui um Asilo como uma certa bat-cidade), localizada no estado de Massachusetts. Acompanhamos o relato de narrador (que não é nomeado) sobre sua experiência na durante a construção de uma nova represa nessa região. O narrador nos introduz a história principal apresentando Ammi Pierce, um velho fazendeiro da região, que acompanhou de perto os estranhos acontecimentos que ocorreram nas terras da família Gardner, após o avistamento de uma estranha cor que caiu do céu.


Ilustração feita por J. M. de Aragon para acompanhar o conto na Amazing Stories. 


A narrativa é apresentada no ano de 1920, fazendo menção as memórias de Ammi Pierce sobre os acontecimentos de 1880. O contato com a entidade alienígena é sutil em um primeiro momento, em função de sua própria natureza, que lentamente segue corrompendo as formas de vida da área em que se instala, o que incluí obviamente a fauna, a flora e a família Gardner. Não me alongarei mais em descrever a história, afinal toda graça está em ler e se transportar para atmosfera criada nesse processo.
Há ainda outros três textos que compõe essa excelente edição, que apesar de bem simples possuí um ótimo cuidado em sua diagramação. Os textos, que não são histórias, são reflexões produzidas pelo próprio autor em correspondências trocadas com seus pen palls, na presente edição a seleção incluí textos que se referem a temática abordada no conto: “A confissão de um cético”, “Notas sobre uma não entidade” e “Notas sobre ficção interplanetária”. Os três textos compõem um apêndice que complementam a leitura do conto, além de ajudar a desvendar um pouco do processo criativo do autor.
A obra de Lovecraft é conhecida pela imersão que as histórias possibilitam, através da relação entre algumas histórias e alguns personagens. No caso de "A cor que caiu do espaço" isso não é presente, assim não haverá referências aos "Old Ones" ou aos "Elder Things", o que ao meu ver torna esse conto um excelente ponto de partida para quem nunca leu nada do autor.
Para terminar acredito que um trecho do próprio autor pode revelar mais sobre o tom encontrado nas histórias:

“Todas as minhas histórias baseiam-se na premissa fundamental de que leis e interesses e sentimentos humanos são desprovidos de qualquer validade ou significado na infinitude do cosmo. Para mim não há nada além de puerilidade em uma história em que a forma humana – bem como paixões e condições e tradições locais – sejam retratadas como nativas a outros mundos e a outros universos. Para atingir a essência da externalidade, é preciso esquecer que coisas como a vida orgânica, o bem e o mal, o amor e o ódio e todos os atributos locais similares pertencentes a uma raça temporária e desprezível chamada humanidade sequer existam... quando cruzamos a fronteira do desconhecido infinito e oculto – do Espaço Sideral assombrado pelas trevas – precisamos deixar a nossa humanidade e o nosso terrestrialismo na porta.” ²

     Hugo André 
 _________________________________________________
1– H.P. Lovecraft. A cor que caiu do espaço. Trad. Guilherme da Silva Braga. Editora Hedra, 2011, p. 14.

2 – H.P. Lovecraft. A cor que caiu do espaço. Trad. Guilherme da Silva Braga. Editora Hedra, 2011, p. 10.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Resenha: Os Livros da Magia (Edição de Luxo)

Formato: Encadernado, capa dura, lombada quadrada, papel couché. Preço: 25,90

Não há como falar dessa mini-série sem falar de seu criador. Neil Gaiman despensa apresentações, se você não conhece (e nem ouvir falar) de Sandman, Stardust, Deuses Americanos e Coraline, pare de desperdiçar seu curto tempo de existência e vá conhecer um dos melhores autores de fantasia da atualidade.
Os Livros da Magia foram lançados em uma época em que a carreira de Gaiman já estava consolidada como autor de HQs: sua estréia na nona arte se deu ao lado de seu talentoso parceiro Dave McKean em Violent Cases (Escape Books/1987), o que lhe abriu as portas para o desenvolvimento da obra que se tornou um divisor de águas no mundo dos quadrinhos Sandman (Vertigo/1988-1996).
O primeiro dos Livros da Magia foi originalmente publicado em Janeiro de 1990. A edição intitulada “O Labirinto Invisível” nos introduz aos personagens e a trama que se desenvolverá por toda a mini-série. Nesta edição somos apresentados ao protagonista Tim Hunter, um menino comum, que propositalmente é caracterizado através do estereótipo do magricela de óculos, que levava sua vida timidamente até ser interpelado pela Brigada dos Encapotados, a trupe mística da Vertigo, formada por John Constantine (ao melhor estilo canastrão e trapaceiro), Doutor Oculto, Mister Io e Vingador Fantasma (que dá aulas sobre como ser misterioso, além de possuir as excelentes alcunhas de “caminhante cinzento” e “aquele sem irmãos”). O grupo dos magos que vestem sobretudo (ou Trenchcoat Brigade) tem a missão de proteger Tim Hunter, o humano que possuí o potencial para ser o maior mago da terra. Contudo, a trupe arcana não pode obrigá-lo a seguir os caminhos misteriosos da magia, apenas podem apresentar ao garoto de 13 anos como a magia esteve, está e estará presente em toda a história do universo. O grupo de magos teme que o conhecimento possa seduzir Tim, fazendo com que ele escolha o lado negro da força: 



O curso rápido de introdução a magia começa com a jornada de Tim e “d’aquele sem irmãos” ao começo do começo, afinal “Its all started with the Big BANG”, passando pelos tempos imemoriais dos reis-lagarto, seguindo pela aurora da humanidade, passando por Merlin, pela inquisição, pelo Sr. Destino e por Zatara (o iap ad agam que alaf odut ao oirártnoc). A edição de estréia é conduzida pelos belos traços de John Bolton (Menz Insana, Sandman Apresenta: As fúrias), que conferem a história uma grandiosidade mágica, sobretudo em algumas seqüências cósmicas e históricas.
A segunda parte da Jornada de Tim, “O Mundo das Sombras”, é trilhada ao lado do mago preferido da Vertigo, John Constantine. Em uma viagem pelos Estados Unidos Tim Hunter é apresentado a diversas “celebridades” do mundo místico, que coincidentemente moram todas na terra do Tio Sam. De Boston Brand (Desafiador/Deadman) a Jim Corrigam (Espectro), de Madame Xanadu a Zatanna, um-a-um os personagens arcanos da DC vão surgindo nas páginas e ajudando a costurar a trama, que aliás segue passando por várias tentativas mal sucedidas de assassinato, com direito a sessão de tarô e carros caindo em um penhasco, afinal a magia é perigosa. A segunda edição é ilustrada por Scott Hampton (Lúcifer, Hellraiser), ao meu ver o artista mais fraco de toda mini-série, não por desenhar mal, mas por estar ao lado de monstros como Charles Vess e John Bolton, e por ser traço irregular e “embassado” tornar as seqüências um pouco menos atratativas.
Dr. Oculto conduz Tim pelos reinos que saíram das páginas de Sandman e da mente de diversos poetas ingleses (de Spencer a Shakespeare): o reino das fadas. Longe de ser um lugar tão etéreo e “purpurinoso” como o imaginário Disney nos legou, a Faerie de Gaiman se revela um lugar ardiloso, onde os costumes são lei, um lugar onde nada dura pra sempre. Em Faerie a história assume os moldes de uma narrativa fantástica clássica, onde o protagonista segue vencendo os desafios que surgem pelo caminho: trapaças, charadas, Baba Yaga e sua casa ambulante, tudo conduzindo ao desafio final proposto pela soberana de Faerie, Titania. O terceiro arco é o meu preferido, por vários motivos: a belíssima arte de Charles Vess (Stardust, Sandman, Fábulas: 1001 noites de neve) que concede o ar de fantástico até aos rodapés das páginas, pela condução da jornada de Tim pelos reinos fantásticos que Gaiman deu vida, o que obviamente deixa o autor à vontade para usar alguns de seus melhores personagens (Morpheus, Titania, Caim e Abel) além de excelentes diálogos e passagens marcantes, como quando Titania explica a Tim a relação de dependência entre o mundo real e o mundo fantástico: 


O final da jornada de Tim é na companhia de Mister Io, o membro da Brigada que desde o início propõe a solução mais simples ao problema entorno do futuro do garoto (a solução preferida de 9 entre 10 mafiosos). Em “Estrada para o Nada” a narrativa é conduzida apresentando os possíveis futuros da terra, muitos deles afetados pelas escolhas que Tim. Novamente vemos uma série de figuras clássicas da DC: como Etrigan e Darkseid. Essa edição é conduzida de maneira surreal por Paul Johnson que conduz o final a história com sua arte apoteótica e sombria.
Em um balanço geral posso definir o encadernado como um “must have”, para quem gosta de Vertigo/DC é um leitura obrigatória, afinal não é todo dia que surgem novos personagens interessantes como Tim Hunter, ou ainda, não é todo dia que você vê uma união de milhares de personagens do universo DC funcionar, Neil Gaiman amarra os personagens de maneira tão simples que poderia dar aula aos roteiristas dos DC, assim não existiriam tantas “crises” e “reboots”. Em um mundo de sagas dispensáveis e edições descartáveis, ler um clássico desses é como reler aquela primeira carta de amor, traz um misto de nostalgia com amadurecimento, uma vontade de viver tudo aquilo novamente com a experiência adquirida ao longo dos anos. Foi essa a sensação que tive ao terminar de ler, tive uma vontade imensa de reler e de vasculhar cada canto das páginas em busca das referências deixadas.
Ouso dizer que “Os livros da Magia” são como os primeiros amores: sinceros, inocentes e marcantes, tal qual o protagonista, que se firmou como personagem fundamental da Vertigo, adquirindo relevância e realizando diversas participações eventos do universo Vertigo/DC. A boa receptividade da mini-série gerou uma continuação mensal com o mesmo título atingindo 75 edições, originalmente lançadas com periodicidade mensal entre 1994 e 2000. A Brigada dos Encapotados ganhou uma mini-série própria em quatro volumes publicada em 1999.


Hugo André